Nova Ordem Social
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

José Berardo, "a ponta do iceberg"?

Ir para baixo

José Berardo, "a ponta do iceberg"?  Empty José Berardo, "a ponta do iceberg"?

Mensagem por Pedro Antunes Sáb Jun 29, 2019 10:42 pm

José Berardo viu esta semana parte do seu património ser arrestado por ordem judicial, com base numa figura jurídica pouco usada em Portugal. Mas esta pode bem ser apenas a ponta do "iceberg": é que além das dívidas de mais de 900 milhões de euros à banca o empresário tem também o controlo de um conjunto de negócios bem sucedidos e capitalizados aos quais os bancos poderão tentar deitar a mão. E uma valiosa coleção de arte.
Conforme revelou a SIC Notícias, o Tribunal da Comarca de Lisboa avançou com o arresto de dois apartamentos de Berardo em Lisboa no valor de 4 milhões de euros, arrestando igualmente um conjunto de títulos e participações detidos pela Atram Sociedade Imobiliária, que é detida por uma "offshore" alegadamente controlada por Berardo.
A ordem de arresto resultou de um instituto jurídico chamado “desconsideração da personalidade jurídica”, que é frequentemente usado nos Estados Unidos da América e no Brasil, mas muito raramente utilizado pelos juízes em Portugal. Essa figura jurídica prevê, genericamente, que a Justiça possa passar por cima da autonomia jurídica de determinada empresa para poder atribuir ao seu verdadeiro dono a responsabilidade pelas dívidas contraídas pela sociedade.
Segundo o advogado Luís Miguel Henrique, “já houve situações em Portugal em que foi aplicado este instituto”. É um instrumento a que os credores podem recorrer “quando o mal está na sociedade e o património está na pessoa”. Contudo, esta figura não está inscrita na lei portuguesa, integrando apenas a doutrina jurídica: cabe a cada juiz analisar, para cada caso, a sua aplicabilidade, juntamente com uma avaliação da existência de jurisprudência.
Uma dissertação de mestrado de 2015 do advogado André Tavares Moreira debruçou-se justamente sobre o argumento que serviu de base ao primeiro arresto de bens de Berardo (e que produziu resultados muito mais rápidos do que a ação executiva que a Caixa Geral de Depósitos, o Novo Banco e o BCP moveram a Berardo para tentar cobrar 962 milhões de euros em dívida.
Segundo a tese de André Tavares Moreira, a ideia da desconsideração da personalidade jurídica “gera uma certa controvérsia”. Este princípio doutrinário do Direito foi invocado pela primeira vez em Portugal em 1945. “Pondo de parte a separação entre a personalidade jurídica dos sócios e a personalidade jurídica da sociedade comercial, é possível imputar responsabilidade e consequências aos autores dos comportamentos”, escreveu o advogado na mesma tese.
“Os tribunais nacionais acolheram lenta e tardiamente a figura da desconsideração da personalidade jurídica e, embora analisem o tema, raras vezes a aplicam ao caso concreto”, descreu André Tavares Moreira. Porquê? “Quer porque as partes se limitam a invocá-la e não providenciam elementos de prova necessários, quer por que não se faz prova da existência de fraude à lei ou abuso de direito”.
Mas desta vez, com José Berardo, este princípio raro (que é diferente das penhoras associadas a ações executivas) foi aplicado. E poderá agora abrir caminho a que sentenças semelhantes possam ser adotadas para o restante universo patrimonial de Berardo, dos vinhos às obras de arte.
Uma mescla de coleções
Conforme o Expresso já havia escrito na sua edição de 17 de maio, Berardo criou ao longo dos anos um império repartido por várias entidades juridicamente distintas e separadas. Foi juntando coleções de arte, ativos imobiliários e participações empresariais, numa teia de interesses económicos com situações financeiras distintas: há empresas endividadas e em incumprimento, mas também há sociedades bem capitalizadas.
Entre as empresas com boa saúde financeira está a sociedade vinícola Bacalhôa, com capitais próprios positivos de 88 milhões de euros. A Bacalhôa é detida em 60% pela Associação de Coleções, uma entidade criada em 2005 por Berardo e cuja missão original era albergar parte das obras de arte do empresário português. Outros 18% da Bacalhôa pertencem à Metalgest, sociedade da Zona Franca da Madeira fundada em 1984 que apresenta capitais próprios positivos de 25 milhões e que é detida em 47,9% pela Fundação José Berardo.
A Bacalhôa, um dos maiores produtores portugueses de vinho, por seu turno, detém 49% da Matiz Sociedade Imobiliária (os outros 51% são diretamente detidos pela Associação de Coleções), que será a proprietária dos terrenos e imóveis da Bacalhôa e que apresenta uma boa saúde financeira, com capitais próprios de 21 milhões de euros.
Outra empresa bem capitalizada, com capitais próprios positivos de 47 milhões de euros, é a Empresa Madeirense de Tabacos, na qual a Fundação José Berardo tem uma posição conhecida de 48%.
Em todos estes casos, estamos a falar de empresas que não só têm ativos que cobrem o respetivo passivo como têm ainda (por via dos ganhos acumulados ao longo dos anos) capitais próprios positivos (atribuíveis aos sócios).
Segundo as fontes ouvidas pelo Expresso, a banca poderá legitimamente tentar obrigar Berardo a entregar as suas participações em muitas das entidades que hoje gozam de boa saúde financeira para saldar as dívidas superiores a 900 milhões de euros (ou parte disso). E poderá tentar fazê-lo ao abrigo do instrumento jurídico da “desconsideração da personalidade jurídica” que foi usado para o arresto das casas de Berardo.
Este é um processo que se pode arrastar durante anos, caso José Berardo e o seu advogado avancem com a contestação legal das ações executivas e dos arrestos. Ou poderá forçar Berardo a aceitar um acordo com a banca para saldar a sua dívida.
Para já, os bancos estarão interessados em conhecer a fundo todo o património que Berardo possa ter em Portugal e no exterior. Além das empresas portuguesas de que é sócio e que controla através da Fundação José Berardo e da Associação de Coleções, Berardo é dono das sociedades maltesas Armide Holdings e Armada Limited.
Não lhe são associadas sociedades offshore além da que detém a Atram (dona do apartamento na Avenida Infanto Santo, em Lisboa, onde Berardo mora). Mas o império que construiu pode acabar por cair porque, apesar de complexo, tem o seu nome no topo da cascata. Ou, como comenta uma outra fonte ouvida pelo Expresso, “a fragilidade do edifício de Joe Berardo é que tudo está centralizado nele”.
O Expresso tentou contactar o advogado de José Berardo, André Luiz Gomes, mas tal não foi possível de imediato.

https://www.msn.com/pt-pt/noticias/portugal/após-uma-semana-negra-pode-berardo-perder-também-a-bacalhôa-e-as-obras-de-arte/ar-AADBZLN?MSCC=1561844146&ocid=spartanntp
Pedro Antunes
Pedro Antunes
Simply the best
Simply the best

Mensagens : 505
Pontos : 614
Reputação : 51
Data de inscrição : 13/01/2019
Localização : lisboa

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos