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A história de D. Maria I, a rainha atormentada por um segredo que a levou à loucura

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A história de D. Maria I, a rainha atormentada por um segredo que a levou à loucura Empty A história de D. Maria I, a rainha atormentada por um segredo que a levou à loucura

Mensagem por Tex Qua Fev 06, 2019 8:26 pm

Mais do que a primeira mulher a subir ao trono português e uma rainha louca, D. Maria I teve uma ação política, cultural e humanitária, tendo criado a Casa Pia e a Lotaria, cujos proventos revertiam para o bem público. Pedimos a Isabel Stilwell, autora da nova biografia sobre a monarca, que nos revelasse mais sobre esta figura histórica.

Se tivéssemos consciência do que as cartas representam para quem quer fazer a arqueologia do passado, púnhamos os dedos a correr pelo teclado ou, melhor ainda, pegávamos numa caneta e aplicávamo-la ao papel, na certeza de que daqui a séculos alguém encontraria profundo sentido, não só no conteúdo das nossas histórias, mas também em tudo o que lhes contaria a nossa caligrafia.

Da mesma forma não deixaríamos os diários apenas para os adolescentes, arrumando-os num qualquer sótão quando nos sentimos demasiado crescidos para essas coisas. Manteríamos o hábito de registar tudo o que nos passa pela cabeça e nos vai na alma, as desilusões e os segredos que não confiamos a mais ninguém porque são sempre os desgostos que nos levam a escrever. A alegria celebramo-la à vista de todos.
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Talvez depois de ler D. Maria I, A Rainha Atormentada por um Segredo que a Levou à Loucura, o leitor passe de novo a fazê-lo. Porque foram as cartas e os diários, alguns deles incompreensivelmente ignorados, que me ajudaram a compreender melhor a personalidade e o tempo em que viveu a nossa primeira rainha. A primeira mulher a ocupar o trono de Portugal, aclamada, não coroada, porque D. João IV ofereceu a coroa a Nossa Senhora, padroeira do reino. Maria Francisca tinha então 43 anos, era casada com um tio - que arrepio faz "ouvi-la" até ao fim da vida a tratar o marido por este substantivo - e mãe de três filhos vivos porque os outros três tinham morrido, há pouco.

Aclamada com uma alegria incontida no dia 13 de Maio de 1777, na magnífica varanda construída para o efeito na Praça do Comércio, por um povo finalmente livre da tirania do Marquês de Pombal que o rei D. José I, seu pai, permitira que supliciasse os Távoras, expulsasse os Jesuítas e cortasse relações diplomáticas com Roma. Sentada no trono de carmim, rodeada de ouros e de veludos, preparando-se para jurar perante Deus e os portugueses, governar com justiça, olhava certamente a magnífica estátua do pai montado a cavalo, a maior do mundo, dizia-se então, porque sofremos, desde há muito, destes narcisismos que escondem uma autoestima frágil. Apesar da pompa do momento, sentia-se profundamente angustiada, bem consciente de que se comprometia, naquele momento, à impossível tarefa de corrigir as graves injustiças cometidas, temendo não ter a força e a sabedoria necessária para a cumprir. Sabemo-lo não por devaneio ficcionado, mas porque assim no-lo revelam as cartas dirigidas à rainha pela sua única confidente, Teresa de Melo, amiga de infância e freira carmelita, que nomeará em breve Priora da Estrela (e, sim, o termo correto é mesmo "priora"). Uma mulher central à sua vida e, por isso mesmo, também a este livro.

Talvez os mais próximos pressentissem também como a responsabilidade do poder absoluto - acima da rainha, só Deus - pesava sobre os seus ombros, mas não eram os únicos. Pierre Dezoteux, um espião francês disfarçado de simples viajante que estava na praça naquele dia, registou nas folhas do que posteriormente seria um livro o tormento que vislumbrou no rosto de D. Maria.

Não era o único a contar a história do que naquele dia ali se passou. A correspondência de Robert Walpole, embaixador britânico em Portugal, é tão cheia de detalhes e de intrigas que era irresistível torná-lo um dos personagens principais deste romance histórico. Não me vou esquecer da emoção com que mergulhei nas suas cartas preservadas nos arquivos nacionais ingleses, tocando (com luvas) as folhas originais, sentindo a euforia do "eureka" sempre que me deparava com mais uma página de informações que não vira ainda citada em lado algum e que ajudava a completar o puzzle.

No relato da Aclamação dá conta, por exemplo, da libertação de 800 presos políticos, nomeadamente dos envolvidos no "processo dos Távoras", que há dezoito anos apodreciam nas prisões, ao lado daqueles que de alguma maneira se tinham oposto ao todo-poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo. Entre eles, o marquês de Alorna, pai da famosa Leonor de Almeida, a Alcipe, encarcerada com a mãe no convento de Chelas. A carta não dá só boas notícias. O embaixador teme a reversão total das reformas do Marquês, explicando ao ministro dos Negócios Estrangeiros inglês o que significa o termo "Viradeira", aplicado às políticas que aí vinham e as implicações que poderia ter no retrocesso económico do reino.

Mas, ao contrário do que se imaginava e a nobreza desejava, D. Maria I não vai deitar fora o menino com a água do banho e embora tenha aceitado a demissão de Pombal, suspirado de alívio com o seu voluntário desterro, manterá os principais ministros do pai, e ao longo do seu reinado criara e dinamizara instituições como a Academia das Ciências e a Casa Pia, promovendo aquilo a que se comprometeu: fomentar um reinado do amor. Com perspicácia e coragem manterá Portugal fora da guerra que opõe os ingleses aos colonos rebeldes e que termina com a independência dos EUA e, mais tarde, manterá a paz do reino perante os alvores da revolução francesa.

Visões, promessas e muita coragem

Maria Francisca é rainha porque os seus pais não deram à luz um varão. E bem tentaram. Depois dela, nasceram mais três irmãs, mas por muitas orações e águas bentas a que recorressem, D. Mariana Vitória de Bourbon, mulher de D. José I, vê frustrado o seu maior desejo de ter um filho. E D. Maria I e o marido sabiam bem que o nascimento de um varão seria a única forma de calar aqueles que não queriam ver uma mulher no trono. Quebrar a "maldição" que, há mais de quarenta anos, impedia o nascimento de um único Bragança do sexo masculino era, por isso mesmo, uma prioridade. Teresa de Melo, abençoada com "visões", servia de intermediária entre Deus e a futura rainha. Ninguém, mais do que Teresa, acreditava que a sua amiga era a escolhida para reinar e dedicou a sua vida a certificar-se de que a fragilidade psicológica da inteligente princesa não boicotava este desígnio. O casal real fez assim uma promessa: em agradecimento por um filho, comprometia-se a construir uma basílica e um convento devotados ao Santíssimo Coração de Jesus, o primeiro do mundo. Pouco mais de nove meses depois, nascia José, recebendo do avô o primeiro nome, deixando-os a todos, sem sombra de dúvida, de que um dia o trono seria dele, o que nunca aconteceu. E a Basílica e o convento da Estrela lá estão, marco solene da promessa magnificamente cumprida.

Mas nada a preparara para a inquietação do que viria a seguir. O rei e Pombal, em conluio, tomaram a seu cuidado a educação do príncipe, escolhendo-lhe o confessor e os mestres, preparando-o para seguir a sua linha política, preparando-o para reinar. Em vez da mãe. O que provavelmente teria acontecido se a cabala não fosse descoberta, mas não foi esta a única traição paterna.

São novamente as cartas de Robert Walpole e de outros embaixadores e viajantes da altura que nos revelam o choque com que foi recebida a notícia de uma das últimas vontades de D. José I, ordenando o casamento do seu neto com uma tia, Maria Benedita, a mais nova das suas filhas. Confuso? A consanguinidade destas uniões deixa qualquer um a princípio um pouco baralhado, mas são as consequências que vão fazer correr muitas lágrimas.

Beckford e uma corte exótica

Era um caderno de capa verde, de que era inseparável. Refiro-me ao Diário de William Beckford que só foi publicado no início do século passado com revelações até aí escondidas. O escritor, dono de uma enorme fortuna e que um escândalo de abuso sexual fez procurar o refúgio de Lisboa, descreve Portugal e os portugueses numa escrita admirável. A sua pretensão de ser recebido pela rainha, frustrada até ao fim pelas manobras maquiavélicas do embaixador Robert Walpole, mais do que revelar um mero incidente diplomático, abrem-nos as portas para o que se passava nos corredores do poder na corte do século XVIII. E do seu exotismo, nomeadamente na moda de "colecionar" anões vindos de África ou do Brasil, eram cerca de onze na corte de então. Mas como nota William Beckford, nenhum se comparava à sedutora D. Rosa, a favorita da rainha, de língua afiada e de uma inteligência apurada. Felizmente temos dela o retrato que pode ver na capa do livro. Eu não podia deixar de fora o Marquês de Bombelles, o embaixador francês que nos faz rir até às lágrimas com as confidências que faz ao seu diário, com uma acutilância que nos deixa ver para lá das aparências. Como quando apelida a infanta Carlota Joaquina que entra neste livro pelo seu casamento com o filho mais novo da rainha, de "macaquinho" e de "aranha". Mas é a ternura e o bom senso com que D. Maria vai lidar com a sua pequena e caprichosa nora, bem patente nas cartas que envia à sua única filha, Mariana, que nos vai dar o retrato verdadeiro da rainha de que pretendemos contar a história. Contudo, regressamos sempre às cartas de Teresa de Melo, às referências à Priora que revelam o seu poder, que tantos historiadores têm tratado pela rama ou simplesmente omitido. A mulher de quem a rainha ficará progressivamente mais dependente à medida que a tragédia da morte dos que lhe são mais queridos a precipita numa instabilidade crescente. Voltamos à revelação extraordinária, que é a espinha dorsal deste livro, e que permite analisar a doença de D. Maria a uma luz absolutamente nova: a loucura não surge na sua vida como uma surpresa. Teme-a desde sempre, num quase silêncio de sofrimento. Combate-a com todas as forças e é, provavelmente, a pressão insustentável daqueles em que mais confia que a empurram para um precipício sem retorno.

Retrato real (não pintado)
Maria I é filha primogénita de D. José I e de D. Mariana Vitória de Bourbon. Nasceu em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1734, e recebeu o nome de batismo de Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana. Foi-lhe concedido o título de Princesa da Beira, tendo passado, com a ascensão ao trono do pai, em 1750, a ter o título de Princesa do Brasil. Casou a 6 de Junho de 1760 com o tio, o infante D. Pedro, de quem enviuvou, o qual se tornaria, por via do matrimónio, o rei consorte D. Pedro III. Da união nasceram seis filhos, nomeadamente D. José (1761-1788), D. João (1763), D. João VI (1767-1826), D. Maria Clementina (1774-1776), D. Maria Isabel (1766-1777) e D. Mariana Vitória Josefa (1768-1788). Quando, em 1792, a rainha mergulha numa loucura sem retorno, o único filho que lhe resta, D. João, futuro rei, irá assumir a regência. É ele que protagoniza a apressada fuga da família real para o Brasil, levando com ele a mãe, em finais de Novembro de 1807, para escaparem aos invasores de Napoleão Bonaparte. O reinado de D. Maria I ficará marcado pela sua habilidade diplomática e por grandes obras como a Academia das Ciências, a Casa Pia e a instituição da Lotaria, cujos proventos revertiam para obras sociais. Faleceu no Rio de Janeiro, a 20 de Março de 1816, aos 81 anos, tendo sido sepultada, com pompa e circunstância, na Basílica da Estrela, que mandou edificar e onde o corpo permanece.


Nota: A historiadora Alice Lázaro prestou um enorme favor aos portugueses ao resgatar dos arquivos e publicar em livro as cartas da Priora da Estrela, assim como as de D. Maria para a filha e de D. João para a irmã.
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